Os primeiros filetes de robalo impressos em 3D a nível mundial pertencem ao Instituto de Bioengenharia e Biociências do Instituto Superior Técnico. O projeto é diferenciador e pioneiro, destacam os alunos de doutoramento Diana Marques e Afonso Gusmão, apoiados pela experiência do professor Frederico Ferreira. Esta é uma primeira fase de produção de carne e peixe de forma mais sustentável, rumo a um processo de produção de menor custo e que possa ganhar escala.
Afonso Gusmão e Diana Marques com os primeiros filetes de robalo impressos em 3D a nível mundial. Foto: Gonçalo Gouveia / Instituto Superior Técnico
A ideia deste projeto académico nasceu quando Frederico Ferreira era professor de uma cadeira de empreendedorismo, em 2019, e uma das equipas de estudantes explorou o conceito de fazer peixe cultivado, a partir de células de peixe, e optou por estruturá-lo na forma de sushi. O professor no Departamento de Bioengenharia do Instituto Superior Técnico (IST) explica que este grupo de alunos concorreu à competição de empreendedorismo do IST, o E. Awards, conquistando o segundo lugar. “No fim desse projeto, a aluna Diana Marques [atualmente a tirar o doutoramento] perguntou-me se poderia realizar a dissertação de mestrado com este tema. Na altura, trabalhávamos em engenharia de tecidos para fazer scaffolds que tivessem propriedades condutoras do ponto de vista elétrico, para promover a diferenciação de células neurais.” Incentivou-a a abraçar o desafio de fazer um material que fosse um condutor, vegano e comestível. “Ao mesmo tempo, estávamos a dar os primeiros passos no uso de bioimpressão no nosso grupo de investigação.”
“Começámos a dar os primeiros passos ao nível de investigação na área de agricultura celular. No âmbito da minha tese de mestrado desenvolvemos as primeiras biotintas comestíveis, 100% vegetais, compatíveis com células e, mais tarde, com células de peixe”, explica Diana Marques. Depois, os resultados foram utilizados para uma candidatura a um projeto internacional financiado pelo The Good Food Institute (GFI), o Algae2Fish. “Esta non-profit americana ajuda investigadores a entrar nesta área das proteínas alternativas e, na altura, conseguimos um financiamento de 250 mil dólares.”
A ideia consistia em tornar o laboratório, um dos primeiros do mundo a fabricar filetes de robalo em 3D. O objetivo passa por ter um filete que possa ser apresentado ao público, em termos de protótipo, não um produto final. “Precisamos de desenvolver diferentes técnicas e conhecimentos para produzir um filete de peixe, em áreas tão diversas, como cultura de células, biorreatores e impressão 3D”, explica Frederico Ferreira. Por isso, a equipa concorreu a um segundo projeto intitulado CleanFish. “É um projeto português financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia e visa resolver os problemas que encontrámos na primeira fase, ao nível da maturação das células, algo em que temos vindo a trabalhar”. São três os objetivos técnicos principais: “ter células competentes, usar impressão em 3D para obter um produto estruturado e estudar o potencial uso de estímulo elétrico para obter um filete com a textura adequada”.
Em parceria com o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), a equipa irá avaliar a qualidade do produto que está a fazer. “O IPMA tem um painel de provadores treinados que vai ajudar-nos nesta última fase.” Assim, serão avaliados o valor e a composição nutricional, garantida a segurança alimentar, e analisadas as propriedades sensoriais. A parceria é importante para perceber quais os benefícios que esta nova forma de produzir alimentos poderá ter em termos ambientais, quando comparada com os sistemas atuais de produção de alimentos. “Para isso é preciso fazer uma análise de ciclo de vida.”
O projeto encontra-se a meio. “Precisamos de avançar ao nível dos vetores que referi para que, no final do projeto, possamos ter um protótipo que tenhamos o orgulho de mostrar à população portuguesa, que tão bem sabe apreciar peixe”, explica o professor.
Para Diana Marques, este produto não será um substituto do que existe, mas pode vir a ser uma alternativa com vários benefícios ambientais. “Além das vantagens a nível ambiental, falamos de um produto que potencialmente tem muito menos emissões de gases de efeitos de estufa, consome menos água potável, menos terra fértil, ficando disponível para outros cultivos ou fins”, diz. Existe também um benefício ao nível da saúde, tendo em conta que estes alimentos não serão produzidos com qualquer tipo de metais pesados, antibióticos ou microplásticos. “Podemos personalizar este produto de modo a que tenha as vitaminas certas, certos aminoácidos, e outros tipos de nutrientes.”
Afonso Gusmão, aluno de doutoramento, é engenheiro mecânico de formação e explica que o que difere este projeto de outros é o facto de se utilizar a impressão 3D, uma técnica de fabrico aditivo, ou seja, “uma tecnologia que permite fabricar estruturas tridimensionais depositando o material, camada após camada. Com esta técnica conseguimos depositar diferentes tipos de tinta e dar origem a uma estrutura tridimensional mais complexa”.
O que difere a bioimpressão 3D da impressão 3D convencional é o tipo de material utilizado. “Na impressão 3D convencional, usamos polímeros sintéticos, na forma de filamentos que vão sendo derretidos e depositados ao longo de um determinado trajeto. Na bioimpressão usamos materiais que suportam as células.” Através desta técnica é possível oferecer estrutura para dar origem a um produto que tenha propriedades organoléticas, ou seja, sabor, textura e odor, bastante idênticas àquelas que existem na natureza. “O nosso objetivo é dar origem a um filete bastante semelhante àquele que encontramos nos nossos supermercados”, refere.
Todo o processo de bioimpressão 3D é idêntico ao processo de impressão 3D. “Começa com o modelo tridimensional do filete que queremos produzir – feito a computador. Podemos variar, alterar o filete ao nível de rácios de gordura para músculo e personalizá-lo de acordo com as necessidades e o que o consumidor pretende.” Temos depois a tradução de este modelo computacional num código que a bioimpressora consegue interpretar, e por sua vez, depositar a tinta ao longo de um trajeto tridimensional predefinido.
“Neste momento, os filetes demoram cerca de seis horas a ser impressos porque estamos a falar de uma bioimpressora desenvolvida durante a minha tese de mestrado. Porém, se compararmos estas seis horas de impressão com a vida de um peixe desde o seu nascimento até o consumirmos, não é muito tempo”, esclarece Afonso Gusmão.
Relativamente à legislação, o desafio atual é permitir a prova da comida pelos consumidores. “Isso pode ser feito em termos académicos, mas se as empresas quiserem levar estes produtos para o mercado, é preciso ter uma aprovação que garanta a segurança desse produto e o tempo dessa aprovação pode ser uma barreira”, refere Frederico Ferreira.
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