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Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa

Proteínas alternativas no futuro da alimentação

Lígia Afreixo, Jorge Lino Alves Projeto ID Foods — Food System of The Future Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto28/04/2025
O futuro da alimentação exige um esforço conjunto entre investigadores, cientistas, designers, industriais e consumidores para que possam criar produtos apelativos, acessíveis e alinhados com as necessidades nutricionais da população. O desafio não é apenas produzir mais proteínas, mas fazê-lo de forma inteligente, sustentável e sobretudo atrativa.

As proteínas alternativas são alimentos (fonte de proteína) que oferecem opções às tradicionais proteínas animais (de carne, peixe, leite e ovos), podendo ser de origem vegetal (plant-based), derivadas de fungos, leveduras, microalgas ou obtidas por biotecnologia, como a carne cultivada em laboratório por reprodução artificial de células animais.

As proteínas alternativas constituem uma tendência de consumo cada vez mais disseminada e adotada, tendo angariado, em 2024, o seu pico de popularidade. De acordo com inquéritos recentes, 58% dos consumidores optam por proteínas alternativas motivados por preocupações ambientais e éticas. A disponibilidade alimentar de produtos proteicos alternativos sofreu um aumento anual de 57% (Mastercard, 2021). A União Europeia tem reforçado, cada vez mais, as suas diretrizes relativamente à produção de diferentes tipologias de proteínas, garantindo uma transição, até 2050, para sistemas alimentares mais saudáveis e de menor impacto ambiental, como uma das acções do pacto estratégico europeu ‘do prado ao prato’ (2020).

Estimular o aumento do cultivo de proteínas vegetais tem como principal missão o combate às alterações climáticas através da descarbonização atmosférica. Paralelamente, originará um reforço do aumento da sua promoção e consumo, contribuindo eficazmente para a manutenção de padrões de saúde humana a longo prazo.

A importância das leguminosas

Imagem 1: Leguminosas frescas. Créditos: Lígia Afreixo, 2020

Imagem 1: Leguminosas frescas. Créditos: Lígia Afreixo, 2020.

Existem mundialmente cerca de 23 mil espécies de leguminosas (família das fabaceas), organizadas em três grandes classes: leguminosas secas (grão-de-bico, tremoço, feijão e chícharo), frescas (ervilhas e favas) e oleaginosas, como é o caso da soja. Estas têm um importante papel de fixação do azoto nos solos de cultivo (pela relação simbiótica da raiz da planta com bactérias Rhizobium) originando uma menor necessidade de fertilizantes sintéticos (por isso são popularizadas como adubo verde), contribuindo para um menor impacto ambiental e, consequentemente, para a redução das emissões de gases contribuintes para o efeito de estufa, bem como a diminuição do consumo de água pela sua capacidade de adaptação a climas secos (Oliveira, 2024).

Em Portugal, a tradição gastronómica tem as suas preferências no que toca às leguminosas: grão-de-bico, feijão (branco, vermelho, raiado e frade), favas, ervilhas, chícharo e o tremoço e o seu protagonismo como snack de verão. Apesar da forte tradição gastronómica portuguesa em pratos confecionados com leguminosas, a população portuguesa apresenta um baixo perfil de consumo diário de leguminosas (16 g), com índice inferior ao recomendado pela roda da alimentação mediterrânica (80 g) — dados do último inquérito nacional alimentar e de atividade física, 2015-2016 (Lopes et al., 2017).

Imagem 2: Consumo leguminosas diário em Portugal vs. consumo recomendado pela roda da alimentação mediterrânica...
Imagem 2: Consumo leguminosas diário em Portugal vs. consumo recomendado pela roda da alimentação mediterrânica. Dados do Inquérito Nacional Alimentar 2015-2016.

Cerca de 100 g de tremoço correspondem a 16 g de proteína, isto é, o dobro da proteína do grão-de-bico, conferindo-lhe o perfil nutricional de leguminosa com maior valor proteico e menor valor de amido.

Apesar do feijão ser a leguminosa mais consumida em Portugal, um dos principais obstáculos ao seu consumo diário é a sua associação à distensão abdominal e flatulência. No entanto, esses desconfortos tendem a diminuir com a regularidade do consumo, por adaptação do organismo.

Projetos europeus como o INCREASE (Intelligent Collections of Food Legumes Genetic Resources for European Agrofood Systems) têm contribuído para a disseminação do conhecimento sobre a biodiversidade das leguminosas, envolvendo cidadãos e escolas em atividades de sementeira, plantação e colheita, assim como em processos de documentação, avaliação e conservação destes materiais vivos, permitindo um enriquecimento coletivo europeu pela permuta de sementes entre os diferentes países que integram o projeto.

Na avaliação do nível de aceitação dos consumidores ante o vasto conjunto de proteínas alternativas —leguminosas, algas, insetos ou carne cultivada —, constata-se uma menor preferência pela proteína dos insetos. A falta de familiaridade cultural e a aversão neofóbica são os fatores de maior impacto (Onwezen et al., 2021). A revolução alimentar para a sustentabilidade poderá, no entanto, passar pela integração de farinha de inseto em produtos alimentares tradicionais, constituindo um meio de compensação à redução do consumo de carne de mamíferos, aves e peixes.

Francisco Kuhar, biólogo investigador e especialista em micélio, defende a importância da criação de novos produtos alimentares vegetais a partir de proteína fúngica, nomeadamente pela exploração do micélio do fungo, garantindo mais segurança alimentar e contribuindo para a transformação da economia linear em circular, ao promover a transformação de resíduos orgânicos em novas matérias-primas alimentares.

A Revofoods, empresa austríaca, desenvolve a partir do micélio alternativas à proteína piscícola, mimetizando salmão, a partir da impressão tridimensional da sua textura. Tal como a integração de farinha de inseto em produtos alimentares tradicionais, também as mais diversas variedades de cogumelos comestíveis (cuja textura em cozinhados se assemelha às dos músculos dos mamíferos) poderão, associadas à carne de bovino, reduzir a quantidade da sua presença em novos produtos alimentares, como os hambúrgueres, permitindo assim mitigar os impactos ambientais da carbonização atmosférica.

Imagem 3: Cogumelo frade. Créditos: Lígia Afreixo, 2022
Imagem 3: Cogumelo frade. Créditos: Lígia Afreixo, 2022.

Um novo futuro alimentar

A visão de um novo futuro alimentar encontra nas dietas de cogumelos, e particularmente na sua associação ao micélio, as condições organoléticas de mimetização da carne, revelando percentagens comparáveis de proteína na ordem dos 10 a 20%, mas com a vantagem de incorporarem menos gordura que a carne animal e menos calorias que a proteína vegetal (Kuhar, 2023).

De acordo com uma prospecção publicada na revista Nature (Humpenöder et al., 2022) será possível reduzir, até 2050, o desflorestamento e as emissões de CO2 e metano para metade, se substituirmos 20% do consumo de carne bovina por proteína fúngica, per capita.

Também as algas marinhas parecem constituir uma resposta sustentável, contribuindo como fonte de alimentação humana rica em proteína, como a microalga espirulina, que 65% do seu volume é constituído por proteína. Até 2030, estima-se que o crescimento do mercado para o consumo de produtos alimentares de origem vegetal, análogos aos tradicionais de origem animal, atinja 5% da quota de mercado global (Mesquita et al., 2022).

Impressão alimentar 3D

De acordo com a consultora Grand View Research, também se estima que, entre 2023 e 2031, o crescimento anual de empresas start-up dedicadas à impressão alimentar 3D seja de 35%. A impressão alimentar por fabrico aditivo tem desenvolvido soluções tecnologicamente interessantes, em resposta a problemas específicos e determinados públicos-alvo, como em idosos com problemas de disfagia alimentar (dificuldade em engolir), reconstituindo alimentos para a sua forma original, por impressão tridimensional com purés nutricionalmente enriquecidos, reabilitando experiências alimentares organolepticamente prazerosas.

A carne cultivada em laboratório é uma técnica que tem vindo a ser explorada na indústria alimentar, sobretudo pela oferta ao consumo de espécies em extinção (como o polvo). A Stakeholder, empresa israelita, tem-se especializado nesta tecnologia, reproduzindo bifes a partir de células animais, com recurso à bio impressão tridimensional.

Imagem 4: Filete de salmão à base de micélio desenvolvido pela Revo Foods através de impressão alimentar 3D...

Imagem 4: Filete de salmão à base de micélio desenvolvido pela Revo Foods através de impressão alimentar 3D. Cortesia da Revo foods, 2025

Superalimentos funcionais

Este mercado também tem sido explorado com a impressão 3D, como o projeto de investigação idfoods, liderado pelos hipermercados Continente, em parceria com a FEUP, INEGI, Frulact e INL. Consiste na personalização alimentar e desenho de produtos destinado a diferentes grupos etários por recurso a esta tecnologia (Afreixo & Lino, 2025). A título de exemplo, as drink bombs (concentrados esféricos, secos e efervescentes) libertam, em contacto com água, proteína e sais minerais necessários a um perfil de consumidor desportista.

Os ensaios e investigações alimentares em curso abrem pistas para diferentes modelos nutricionais alternativos, oferecendo diferentes experiências organoléticas, quer por mimetismo vegetal de alimentos tradicionalmente de origem animal, quer pela reprodução celular de tecidos animais em ambiente esterilizado, quer pela integração de farinha de insetos em pastas alimentares tradicionais, ou pela ingestão de alimentos vegetais tradicionais, ricos em proteínas, como os fungos ou as leguminosas.

Uma sociedade dirigida à sustentabilidade, à acessibilidade social e à descarbonização do ambiente para inversão do efeito de estufa, implicará a mobilização de todos, tanto mais que o crescimento demográfico humano não pára de crescer. Estima-se que, em 2100, o crescimento da população mundial seja de 10,9 bilhões de habitantes (ONU), cuja alimentação se torna um desafio a repensar na forma como produzimos e consumimos proteínas e em toda a cadeia do sistema alimentar. As proteínas alternativas não são apenas uma tendência, mas uma resposta necessária a questões ambientais, de saúde humana e de segurança alimentar.

Seja através da valorização de leguminosas, do aproveitamento de micélio para criar novas texturas proteicas ou da impressão alimentar 3D, a inovação tecnológica e o food design desempenham um papel crucial na transição para dietas mais salubres e sustentáveis. No entanto, a aceitação cultural do consumidor continua a constituir um fator crítico para a sua implementação e sucesso.

Referências

Afreixo, L. (2025). Do tamanho de uma noz: Projecto de food design para mitigação da negligência alimentar [Tese doutoramento]. Aveiro. [no prelo]

Afreixo, L., & Lino, J. (2025, abril 2). Personalization and smart nutrition: The potential of 3d printing in food production. Conferência Internacional food 4 thought, Santa Maria da Feira.

Humpenöder, F., Bodirsky, B. L., Weindl, I., Lotze-Campen, H., Linder, T., & Popp, A. (2022). Projected environmental benefits of replacing beef with microbial protein. Nature, 605(7908), 90–96. https://doi.org/10.1038/s41586-022-04629-w

Kuhar, F. (2023, setembro 12). Proteínas: Amamo-las mas desperdiçamo-las [Conferência]. Food Design Festival, La Nave, Madrid.

Lopes, C., Torres, D., Oliveira, A., Severo, M., Alarcão, V., Guiomar, S., Mota, J., Teixeira, P., Rodrigues, S., Lobato, L., Magalhães, V., Correia, D., Carvalho, C., Pizarro, A., Marques, A., Vilela, S., Oliveira, L., Nicola, P., Soares, S., & Ramos, E. (2017). Inquérito Alimentar Nacional e de Actividade Física, IAN-AF 2015-2016 [Relatório de Resultados 2017]. Universidade do Porto. www.ian-af.up.pt

Mesquita, C., Oliveira, J., Alvim, N., & Ribeiro, P. (2022). Proteína Verde: Plantar a alimentação do futuro. Associação Vegetariana Portuguesa.

Onwezen, M. C., Bouwman, E. P., Reinders, M. J., & Dagevos, H. (2021). A systematic review on consumer acceptance of alternative proteins: Pulses, algae, insects, plant-based meat alternatives, and cultured meat. Appetite, 159, 105058. https://doi.org/10.1016/j.appet.2020.105058

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