Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa

Do desperdício à inovação

Susana Marvão10/05/2025
A sustentabilidade e economia circular na indústria agroalimentar é muito mais do que grandes números e desafios globais. É um campo fértil para inovações que repensam o ciclo de vida dos materiais, como as embalagens que transformam resíduos em recursos.
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O sistema alimentar mundial enfrenta atualmente uma série de desafios que comprometem o seu futuro e a sua capacidade de satisfazer a procura crescente de alimentos. As contas são “simples”: a ONU prevê que o crescimento demográfico atinja 9,1 mil milhões de pessoas em 2050, pelo que a alimentação da população mundial exigirá que a produção alimentar aumente 60-70%.

Acontece que, ironicamente, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), um terço da produção mundial de alimentos é desperdiçado todos os anos, o que corresponde a 1,3 mil milhões de toneladas perdidas. Além disso, o sistema alimentar contribui, ainda segunda a ONU, para outras questões ambientais, como as alterações climáticas, gerando um quarto das emissões globais de gases com efeito de estufa e tendo um impacto direto na biodiversidade e nos ecossistemas.

A economia circular na indústria agroalimentar propõe, assim, um modelo de produção em que os resíduos e subprodutos se transformam em recursos, um paradigma que contrasta com o modelo linear tradicional, promovendo o reuso, a reciclagem e a valorização dos resíduos orgânicos. Ao adotar este modelo, os especialistas advogam que os produtores podem reduzir os custos operacionais, minimizar o desperdício e fomentar a inovação em práticas agrícolas e de gestão dos recursos naturais.

Em todo este contexto, as embalagens, também desempenham um papel estratégico na transformação da indústria agroalimentar, sendo um elo fundamental na cadeia de valor e um ponto de interseção entre sustentabilidade e inovação.

O desafio dos líquidos

Bruno Pereira da Silva, coordenador de Economia Circular e Ambiente do Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros, abordou os desafios no desenvolvimento de novos materiais sustentáveis, nomeadamente para a produção de embalagens que permitam o armazenamento de líquidos, que apresenta dificuldades técnicas.

“O desafio prende-se com o desenvolvimento de materiais com propriedades barreira e de contacto alimentar, evitando a migração de substâncias que possam alterar o sabor, o odor ou até contaminar os líquidos armazenados”. Além disso, salienta o especialista, terá de existir um equilíbrio entre biodegradabilidade e durabilidade, dado que muitos materiais sustentáveis tendem a se decompor mais rapidamente, o que pode comprometer a sua resistência quando em contacto com líquidos ácidos ou alcoólicos.

“Outra questão crítica prende-se com a resistência mecânica e térmica, já que os recipientes precisam suportar variações de temperatura e pressão sem sofrer deformações ou roturas”. As propriedades barreira ao vapor de água, ao oxigénio e outros gases é, ainda, um fator essencial para preservar a qualidade dos alimentos, “e os materiais sustentáveis, na grande maioria das vezes, apresentam menor eficiência nesse aspeto quando comparados com os polímeros convencionais”.

Outro ponto crucial abordado por Bruno Pereira da Silva é a segurança alimentar e a conformidade com normas regulatórias rigorosas, como as da FDA e da EFSA, que exigem extensivos testes para garantir que os materiais não liberem substâncias tóxicas ao longo do tempo de vida útil.

O custo e a escala de produção também foram apresentados por Bruno Pereira da Silva como desafios, pois materiais sustentáveis tendem a ser mais caros devido às matérias-primas alternativas e aos processos produtivos ainda em desenvolvimento. “Por fim, existe a necessidade da compatibilidade com a reciclagem ou compostagem em larga escala, garantindo que o descarte seja ambientalmente responsável sem gerar microplásticos ou outros resíduos prejudiciais”. Todos estes fatores, explora o especialista, exigem inovação ao nível dos materiais e processos industriais para tornar os materiais sustentáveis viáveis, sem comprometer a segurança e funcionalidade.

A arte de reciclar

Portugal tem beneficiado dos desenvolvimentos que a Tetra Pak lidera nesta área e foi palco de uma importante validação tecnológica a nível global, no final de 2023, quando lançou uma embalagem de cartão para bebidas assética, em parceria com a Lactogal, com uma barreira à base de papel. “Feita com, aproximadamente, 80% de cartão, esta solução aumenta o conteúdo renovável para 90%, reduz a sua pegada de carbono em um terço (33%) e foi certificada como Neutra em Carbono pela Carbon Trust”, explicou Ingrid Falcão, sustainability manager da Tetra Pak Ibéria. “Além disso, coloca-nos mais próximo do objetivo de ter uma embalagem de cartão para bebidas feita exclusivamente de materiais renováveis ou reciclados de origem responsável, totalmente reciclável e neutra em carbono”.

No final do ano passado, a Tetra Pak também apresentou uma embalagem Tetra Brik Aseptic que utiliza polímeros reciclados certificados associados a embalagens de cartão usadas para bebidas. “Trata-se de um marco na indústria e um passo significativo rumo a uma economia circular, feito em colaboração com o maior grupo de laticínios do mundo, a Lactalis”. Com certificação do ISCC PLUS, estes polímeros reciclados são provenientes do processo de reciclagem de embalagens de cartão para bebidas usadas, em Espanha, e atribuídos a novas embalagens através de um método de atribuição de balanço de massas. “Isto significa que são compostos por uma mistura de matéria-prima fóssil virgem, reciclada e não reciclada, garantindo que o volume correspondente de material reciclado é obtido e monitorizado ao longo da cadeia de abastecimento”.

Tetra Pak apresentou as embalagens Tetra Brik Aseptic...
Tetra Pak apresentou as embalagens Tetra Brik Aseptic, que utilizam polímeros reciclados certificados associados a embalagens de cartão usadas para bebidas
Ingrid Falcão relembrou que a Tetra Pak está constantemente a inovar para alcançar o objetivo de criar a embalagem mais sustentável do mundo, feita a partir de materiais renováveis ou reciclados, totalmente recicláveis, neutra em carbono e com garantia total de segurança alimentar. Para isso, durante os próximos cinco a dez anos, a empresa prevê investir 100 milhões de euros, anualmente, para atingir o objetivo de manter recursos de qualidade em circulação e reduzir a dependência da indústria de materiais virgens de origem fóssil.

Reciclagem com sabor a café

O Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros (PIEP) apresentou, em março, o projeto Recicla+, desenvolvido em conjunto a Bicafé, MC, Codil, Incbio e Bio4plas, uma iniciativa que já resultou na reciclagem de mais de 200 toneladas de cápsulas de café e 100 toneladas de borras de café, promovendo a valorização de resíduos e o desenvolvimento de soluções inovadoras para a indústria.

Integrado na agenda ‘Sustainable Plastics’ do Plano de Recuperação e Resiliência, o projeto Recicla+ “foca-se na criação de um modelo eficiente para a reciclagem de cápsulas de café pós-consumo. Para esse efeito, estruturou-se um sistema nacional de recolha, aliado ao desenvolvimento de uma linha piloto de reciclagem que permite transformar os materiais plásticos das cápsulas e a borra em produtos sustentáveis novos”, explica a entidade. “O PIEP desempenhou um papel determinante na conceção e desenvolvimento de um novo material plástico reciclado, com origem nas cápsulas recolhidas, bem como no design de um depósito doméstico que facilita a separação e deposição seletiva deste resíduo”. Além disso, explicam em comunicado, a borra de café tem sido reaproveitada para a produção de biofertilizante líquido, reforçando a aposta na valorização de subprodutos e na redução do impacto ambiental.

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