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Como o processamento inteligente pode ajudar a melhorar a qualidade dos alimentos

Redação Interempresas09/12/2024

O Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (IFST) publicou recentemente uma análise onde se revela que o processamento dos alimentos afeta a biodisponibilidade dos compostos bioativos, em particular nos alimentos funcionais, e pode melhorar a absorção de nutrientes através de métodos como fermentação, encapsulamento e processamento térmico.

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Cada vez mais, os alimentos são vistos como medicamentos e existem provas que ligam a alimentação a doenças crónicas, como a diabetes, doenças cardiovasculares e obesidade. “Os avanços na ciência nutricional, juntamente com o aumento dos alimentos funcionais e da nutrição personalizada, estão a impulsionar este movimento no século XXI. Esta evolução significa uma mudança para cuidados de saúde holísticos e preventivos, em que o papel dos alimentos não é apenas o de nutrir, mas o de promover ativamente a saúde e o bem-estar”, revela Shalima Sreenath.

A engenheira química, com mais de 10 anos de experiência na indústria alimentar/biotecnológica, é membro do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (IFST) e partilhou recentemente uma análise onde defende como o processamento inteligente pode ajudar a melhorar a qualidade dos alimentos.

Alimentos funcionais

De acordo com a Fortune Business Insights, prevê-se que o mercado global de alimentos e bebidas funcionais cresça de 364 mil milhões de dólares (cerca de 344 mil milhões de euros) em 2024 para 794 mil milhões de dólares (cerca de 750 mil milhões de euros) em 2032, a uma taxa de crescimento anual composta superior a 10% durante o período de previsão 2024-2032.

De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), os alimentos funcionais são definidos como alimentos que oferecem “benefícios além da nutrição básica”, proporcionando vantagens para a saúde ou para a medicina, incluindo a prevenção e a gestão de doenças.

“Os compostos presentes nos alimentos funcionais que conferem estes benefícios são designados por ‘compostos bioativos’. Ao contrário dos nutrientes essenciais, como os minerais e os macronutrientes (proteínas, gorduras e hidratos de carbono), estes atuam a um nível mais específico, interagindo com os sistemas do organismo para produzir resultados de saúde específicos”, refere Shalima Sreenath.

Entre os mais prevalentes, que contribuem para a saúde e o bem-estar, estão os polifenóis, probióticos, prebióticos, ácidos gordos ómega-3 e os péptidos.

Polifenóis “Compostos à base de plantas encontrados em frutas, legumes, chá e especiarias, conhecidos pelas propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e anti-cancerígenas”.

Probióticos “Bactérias vivas e benéficas, que promovem a saúde intestinal através do equilíbrio da flora intestinal e que se encontram em alimentos fermentados, como iogurte, kefir e kimchi”.

Prebióticos “Um tipo de fibra não digerível, que estimulam o crescimento de bactérias intestinais benéficas, melhorando a digestão e a função imunitária. Alimentos como alho, cebolas e bananas são fontes ricas de prebióticos, promovendo a saúde intestinal”.

Ácidos gordos ómega-3 “Presentes nos peixes gordos, sementes de linhaça e nozes, têm propriedades anti-inflamatórias e contribuem para a saúde do coração e do cérebro”.

Péptidos “Derivados das proteínas podem baixar a pressão arterial, reduzir a inflamação e reforçar a função imunitária, sendo os produtos lácteos e os grãos de soja fontes comuns”.

Biodisponibilidade

Ao avaliar os benefícios para a saúde destes alimentos, torna-se necessário considerar a sua biodisponibilidade, ou seja, a proporção de compostos bioactivos absorvidos e utilizados pelo organismo após o consumo. Esta determina a eficácia com que estes compostos benéficos chegam aos tecidos alvo para exercer os efeitos desejados na saúde.

É aqui que o processamento pode influenciar, já que a transformação dos alimentos desempenha um papel importante. “Os métodos de processamento podem influenciar significativamente quase todos os aspetos da biodisponibilidade relacionados com os alimentos”, destaca a especialista.

“Desde o momento em que as matérias-primas são colhidas, passando pelo armazenamento, preparação e confeção, cada fase do processo de produção alimentar pode preservar, melhorar ou degradar o valor nutricional do produto final. Para que estes alimentos cumpram os benefícios prometidos, é essencial que os métodos de processamento sejam cuidadosamente selecionados e otimizados”.

Impacto dos processos na biodisponibilidade

Shalima Sreenath dá como exemplo o processamento térmico, “um dos métodos mais comuns de processamento de alimentos utilizado para prolongar o prazo de validade, melhorando a segurança através da eliminação de agentes patogénicos. É também escolhido pela sua capacidade de alterar a textura, tornando os alimentos mais palatáveis e mais fáceis de digerir”.

Inclui métodos como fervura, cozedura a vapor, torrefação e pasteurização, e pode aumentar ou degradar a biodisponibilidade dos nutrientes, dependendo do nutriente. “Um exemplo é o processamento de tomates, em que a biodisponibilidade do licopeno é afetada positivamente. Este é um carotenoide e um poderoso antioxidante que tem sido associado a vários benefícios para a saúde, como a redução do risco de certos cancros e a promoção da saúde do coração. Quando os tomates são processados através de métodos como enlatamento, cozedura ou tratamento térmico, o calor provoca uma quebra da estrutura celular do tomate que liberta o licopeno da matriz vegetal, facilitando a sua absorção e utilização pelo organismo”.

A importância da fermentação

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Já a fermentação é um processo biológico que utiliza microrganismos como bactérias, leveduras ou fungos para decompor os componentes dos alimentos, melhorando a biodisponibilidade dos nutrientes. Pode também promover a produção de probióticos benéficos, que beneficiam a saúde intestinal.

“A fermentação é amplamente utilizada na produção de alimentos funcionais, como iogurte, kimchi e kefir, onde a melhoria da absorção de nutrientes é um benefício fundamental. Um exemplo clássico é o efeito da fermentação na aveia, que aumenta significativamente a biodisponibilidade dos nutrientes ao decompor os anti-nutrientes naturalmente presentes na aveia, como os fitatos, que podem inibir a absorção de minerais essenciais como o ferro, o cálcio e o zinco”, explica.

Os taninos, que podem dificultar a digestibilidade das proteínas e bloquear a absorção de minerais, também são decompostos. “Durante a fermentação, os microrganismos benéficos, como as bactérias do ácido lático, libertam enzimas que degradam os fitatos, tornando os minerais mais acessíveis para absorção no trato digestivo. O processo de fermentação também melhora a digestibilidade da aveia, uma vez que os microrganismos quebram parcialmente as fibras, tornando os nutrientes mais facilmente absorvidos pelo organismo. Como resultado, a aveia fermentada não só oferece um valor nutricional melhorado, como também apoia uma melhor função digestiva e imunitária”.

Moagem, trituração e encapsulamento

Os métodos de processamento mecânico, como a moagem e a trituração, reduzem o tamanho das partículas dos alimentos, o que pode aumentar a área de superfície disponível para a digestão e absorção. “Isto é particularmente importante para os cereais, em que a camada exterior do farelo contém fibras que podem inibir a absorção de nutrientes. A moagem remove ou decompõe esta camada, aumentando a biodisponibilidade de certas vitaminas, minerais e fitoquímicos. No entanto, a refinação excessiva pode também remover componentes valiosos, como a fibra e os ácidos gordos essenciais, pelo que a extensão da moagem deve ser cuidadosamente controlada”.

A engenheira química destaca o encapsulamento, “uma técnica utilizada para proteger compostos bioativos sensíveis, tais como ácidos gordos ómega-3, probióticos ou polifenóis, envolvendo-os num revestimento protetor. Este método ajuda a melhorar a estabilidade e a biodisponibilidade destes compostos, evitando a sua degradação durante o processamento, armazenamento e digestão”.

O encapsulamento pode melhorar a absorção de nutrientes no organismo, assegurando que os ingredientes funcionais mantêm a sua potência até serem efetivamente libertados no sistema digestivo.

Secagem e processamento a alta pressão

A secagem inibe o crescimento microbiano, prolonga o prazo de validade e reduz o peso dos alimentos para facilitar o transporte. “A secagem por pulverização transforma misturas líquidas em pós, secando-as rapidamente com ar quente e é normalmente utilizada para ingredientes funcionais, como proteínas e vitaminas. Embora o calor possa reduzir a biodisponibilidade de alguns nutrientes sensíveis, as temperaturas controladas ajudam a preservar o conteúdo dos nutrientes e a melhorar a biodisponibilidade, decompondo os alimentos em partículas finas que são mais facilmente absorvidas”, explica.

Os métodos de baixa temperatura, como o vácuo ou a liofilização, “mantêm melhor os nutrientes sensíveis, como vitaminas e antioxidantes. Por exemplo, a secagem de frutos, como os mirtilos, a baixas temperaturas preserva os antioxidantes e melhora o sabor e a textura. Estas técnicas garantem que os compostos bioativos permanecem eficazes, tornando os alimentos secos nutritivos e apelativos para os consumidores".

Já o processamento a alta pressão (HPP) é um método não térmico que utiliza alta pressão para inativar agentes patogénicos e prolongar o prazo de validade dos alimentos, preservando os nutrientes sensíveis ao calor. “Esta pode ajudar a manter a biodisponibilidade de vitaminas, antioxidantes e outros compostos funcionais que são sensíveis ao calor. Por exemplo, no sumo de romã, a HPP é utilizada para preservar as antocianinas, compostos bioativos com poderosas propriedades antioxidantes que podem degradar-se durante a pasteurização térmica convencional. A HPP permite a inativação de microrganismos nocivos através da aplicação de uma pressão extremamente elevada, que perturba as membranas celulares e as funções das bactérias”.

A importância da embalagem

Esta desempenha um papel crucial na preservação da biodisponibilidade dos alimentos funcionais, protegendo-os de fatores ambientais como a luz, oxigénio, humidade e temperatura, que podem degradar os nutrientes. “Por exemplo, as embalagens opacas ou seladas a vácuo ajudam a reduzir a oxidação de compostos sensíveis, como as vitaminas e os antioxidantes, enquanto aquelas à prova de humidade impedem o crescimento microbiano que pode comprometer a integridade dos nutrientes”.

No entanto, “materiais de embalagem inadequados podem libertar substâncias nocivas, afetando a biodisponibilidade dos nutrientes ou introduzindo toxinas. Por conseguinte, a seleção da embalagem correta é crucial para manter os benefícios para a saúde dos alimentos funcionais”.

Perspetivas futuras

Para Shalima Sreenath, as tendências em ingredientes funcionais “deverão ser revolucionadas por tecnologias avançadas, como a fermentação de precisão, que permite a produção de compostos bioativos de forma sustentável e eficiente, melhorando também a biodisponibilidade. Utilizando micróbios geneticamente modificados, a fermentação de precisão cria bioativos específicos e puros, tais como proteínas, vitaminas e péptidos, otimizados para uma melhor absorção e estabilidade”.

Esta tecnologia reduz o impacto ambiental ao eliminar a agricultura tradicional e permite a engenharia precisa de bioativos adaptados às necessidades de saúde. “À medida que cresce a procura de uma nutrição baseada em plantas e personalizada, a fermentação de precisão transformará a produção de bioativos para obter melhores resultados em termos de saúde”.

“Os fabricantes de alimentos devem considerar seriamente cada etapa do processo de produção - desde a escolha das matérias-primas, passando pela secagem, moagem, fermentação e até mesmo a embalagem. Deve ser dada prioridade às técnicas que minimizam a perda de nutrientes ou promovem a sua biodisponibilidade, tais como o processamento térmico mínimo, a fermentação controlada ou as tecnologias de encapsulamento”, defende.

Apesar da perceção negativa à volta dos alimentos processados, estes não são inerentemente negativos e, em muitos casos, “oferecem benefícios significativos, especialmente no domínio dos alimentos funcionais. O objetivo principal é assegurar que os métodos de processamento não só retêm, mas idealmente melhoram a biodisponibilidade dos nutrientes chave e dos ingredientes funcionais, permitindo aos consumidores obter o máximo de benefícios para a saúde dos alimentos que consomem”.

Ao fazê-lo, as empresas alimentares podem oferecer produtos que não são apenas convenientes e estáveis nas prateleiras, mas também “nutricionalmente superiores, satisfazendo a crescente procura dos consumidores por alimentos que promovam o bem-estar e apoiem um estilo de vida saudável”, defende.

Além disso, a transformação pode contribuir para os esforços de sustentabilidade, reduzindo o desperdício alimentar e assegurando que apenas os componentes mais benéficos são incluídos, excluindo os elementos não nutritivos. “Ao promover uma melhor compreensão do processamento alimentar, os consumidores podem apreciar o valor dos alimentos funcionais e incorporá-los efetivamente nas suas dietas”.

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