O Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (IFST) publicou recentemente uma análise onde se revela que o processamento dos alimentos afeta a biodisponibilidade dos compostos bioativos, em particular nos alimentos funcionais, e pode melhorar a absorção de nutrientes através de métodos como fermentação, encapsulamento e processamento térmico.
Cada vez mais, os alimentos são vistos como medicamentos e existem provas que ligam a alimentação a doenças crónicas, como a diabetes, doenças cardiovasculares e obesidade. “Os avanços na ciência nutricional, juntamente com o aumento dos alimentos funcionais e da nutrição personalizada, estão a impulsionar este movimento no século XXI. Esta evolução significa uma mudança para cuidados de saúde holísticos e preventivos, em que o papel dos alimentos não é apenas o de nutrir, mas o de promover ativamente a saúde e o bem-estar”, revela Shalima Sreenath.
A engenheira química, com mais de 10 anos de experiência na indústria alimentar/biotecnológica, é membro do Instituto de Ciência e Tecnologia de Alimentos (IFST) e partilhou recentemente uma análise onde defende como o processamento inteligente pode ajudar a melhorar a qualidade dos alimentos.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), os alimentos funcionais são definidos como alimentos que oferecem “benefícios além da nutrição básica”, proporcionando vantagens para a saúde ou para a medicina, incluindo a prevenção e a gestão de doenças.
“Os compostos presentes nos alimentos funcionais que conferem estes benefícios são designados por ‘compostos bioativos’. Ao contrário dos nutrientes essenciais, como os minerais e os macronutrientes (proteínas, gorduras e hidratos de carbono), estes atuam a um nível mais específico, interagindo com os sistemas do organismo para produzir resultados de saúde específicos”, refere Shalima Sreenath.
Entre os mais prevalentes, que contribuem para a saúde e o bem-estar, estão os polifenóis, probióticos, prebióticos, ácidos gordos ómega-3 e os péptidos.
Polifenóis “Compostos à base de plantas encontrados em frutas, legumes, chá e especiarias, conhecidos pelas propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e anti-cancerígenas”.
Probióticos “Bactérias vivas e benéficas, que promovem a saúde intestinal através do equilíbrio da flora intestinal e que se encontram em alimentos fermentados, como iogurte, kefir e kimchi”.
Prebióticos “Um tipo de fibra não digerível, que estimulam o crescimento de bactérias intestinais benéficas, melhorando a digestão e a função imunitária. Alimentos como alho, cebolas e bananas são fontes ricas de prebióticos, promovendo a saúde intestinal”.
Ácidos gordos ómega-3 “Presentes nos peixes gordos, sementes de linhaça e nozes, têm propriedades anti-inflamatórias e contribuem para a saúde do coração e do cérebro”.
Péptidos “Derivados das proteínas podem baixar a pressão arterial, reduzir a inflamação e reforçar a função imunitária, sendo os produtos lácteos e os grãos de soja fontes comuns”.
É aqui que o processamento pode influenciar, já que a transformação dos alimentos desempenha um papel importante. “Os métodos de processamento podem influenciar significativamente quase todos os aspetos da biodisponibilidade relacionados com os alimentos”, destaca a especialista.
Inclui métodos como fervura, cozedura a vapor, torrefação e pasteurização, e pode aumentar ou degradar a biodisponibilidade dos nutrientes, dependendo do nutriente. “Um exemplo é o processamento de tomates, em que a biodisponibilidade do licopeno é afetada positivamente. Este é um carotenoide e um poderoso antioxidante que tem sido associado a vários benefícios para a saúde, como a redução do risco de certos cancros e a promoção da saúde do coração. Quando os tomates são processados através de métodos como enlatamento, cozedura ou tratamento térmico, o calor provoca uma quebra da estrutura celular do tomate que liberta o licopeno da matriz vegetal, facilitando a sua absorção e utilização pelo organismo”.
“A fermentação é amplamente utilizada na produção de alimentos funcionais, como iogurte, kimchi e kefir, onde a melhoria da absorção de nutrientes é um benefício fundamental. Um exemplo clássico é o efeito da fermentação na aveia, que aumenta significativamente a biodisponibilidade dos nutrientes ao decompor os anti-nutrientes naturalmente presentes na aveia, como os fitatos, que podem inibir a absorção de minerais essenciais como o ferro, o cálcio e o zinco”, explica.
Os métodos de processamento mecânico, como a moagem e a trituração, reduzem o tamanho das partículas dos alimentos, o que pode aumentar a área de superfície disponível para a digestão e absorção. “Isto é particularmente importante para os cereais, em que a camada exterior do farelo contém fibras que podem inibir a absorção de nutrientes. A moagem remove ou decompõe esta camada, aumentando a biodisponibilidade de certas vitaminas, minerais e fitoquímicos. No entanto, a refinação excessiva pode também remover componentes valiosos, como a fibra e os ácidos gordos essenciais, pelo que a extensão da moagem deve ser cuidadosamente controlada”.
A engenheira química destaca o encapsulamento, “uma técnica utilizada para proteger compostos bioativos sensíveis, tais como ácidos gordos ómega-3, probióticos ou polifenóis, envolvendo-os num revestimento protetor. Este método ajuda a melhorar a estabilidade e a biodisponibilidade destes compostos, evitando a sua degradação durante o processamento, armazenamento e digestão”.
O encapsulamento pode melhorar a absorção de nutrientes no organismo, assegurando que os ingredientes funcionais mantêm a sua potência até serem efetivamente libertados no sistema digestivo.
A secagem inibe o crescimento microbiano, prolonga o prazo de validade e reduz o peso dos alimentos para facilitar o transporte. “A secagem por pulverização transforma misturas líquidas em pós, secando-as rapidamente com ar quente e é normalmente utilizada para ingredientes funcionais, como proteínas e vitaminas. Embora o calor possa reduzir a biodisponibilidade de alguns nutrientes sensíveis, as temperaturas controladas ajudam a preservar o conteúdo dos nutrientes e a melhorar a biodisponibilidade, decompondo os alimentos em partículas finas que são mais facilmente absorvidas”, explica.
Os métodos de baixa temperatura, como o vácuo ou a liofilização, “mantêm melhor os nutrientes sensíveis, como vitaminas e antioxidantes. Por exemplo, a secagem de frutos, como os mirtilos, a baixas temperaturas preserva os antioxidantes e melhora o sabor e a textura. Estas técnicas garantem que os compostos bioativos permanecem eficazes, tornando os alimentos secos nutritivos e apelativos para os consumidores".
No entanto, “materiais de embalagem inadequados podem libertar substâncias nocivas, afetando a biodisponibilidade dos nutrientes ou introduzindo toxinas. Por conseguinte, a seleção da embalagem correta é crucial para manter os benefícios para a saúde dos alimentos funcionais”.
Para Shalima Sreenath, as tendências em ingredientes funcionais “deverão ser revolucionadas por tecnologias avançadas, como a fermentação de precisão, que permite a produção de compostos bioativos de forma sustentável e eficiente, melhorando também a biodisponibilidade. Utilizando micróbios geneticamente modificados, a fermentação de precisão cria bioativos específicos e puros, tais como proteínas, vitaminas e péptidos, otimizados para uma melhor absorção e estabilidade”.
Esta tecnologia reduz o impacto ambiental ao eliminar a agricultura tradicional e permite a engenharia precisa de bioativos adaptados às necessidades de saúde. “À medida que cresce a procura de uma nutrição baseada em plantas e personalizada, a fermentação de precisão transformará a produção de bioativos para obter melhores resultados em termos de saúde”.
Apesar da perceção negativa à volta dos alimentos processados, estes não são inerentemente negativos e, em muitos casos, “oferecem benefícios significativos, especialmente no domínio dos alimentos funcionais. O objetivo principal é assegurar que os métodos de processamento não só retêm, mas idealmente melhoram a biodisponibilidade dos nutrientes chave e dos ingredientes funcionais, permitindo aos consumidores obter o máximo de benefícios para a saúde dos alimentos que consomem”.
Ao fazê-lo, as empresas alimentares podem oferecer produtos que não são apenas convenientes e estáveis nas prateleiras, mas também “nutricionalmente superiores, satisfazendo a crescente procura dos consumidores por alimentos que promovam o bem-estar e apoiem um estilo de vida saudável”, defende.
Além disso, a transformação pode contribuir para os esforços de sustentabilidade, reduzindo o desperdício alimentar e assegurando que apenas os componentes mais benéficos são incluídos, excluindo os elementos não nutritivos. “Ao promover uma melhor compreensão do processamento alimentar, os consumidores podem apreciar o valor dos alimentos funcionais e incorporá-los efetivamente nas suas dietas”.
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