Dra. Belén Blanco Espeso, divisão de Agroalimentação e Processos, Centro Tecnológico CARTIF. Parque Tecnológico de Boecillo, parcela 205, 47151 Boecillo (Valladolid)
17/01/2024Evidencia-se assim a necessidade de transformar os nossos sistemas alimentares em modelos mais seguros, saudáveis e sustentáveis, permitindo o acesso de todas as pessoas a uma alimentação justa e saudável. Esta mudança de paradigma envolve um grande número de intervenientes e recursos e uma constante interação entre todos eles. A criação de novos alimentos a partir de tecnologias que estão em pleno desenvolvimento facilita a adaptação às necessidades das pessoas e do planeta.
Neste caminho de transformação e perante a decisão de promover uma nova forma de comer, será possível que a inovação e a tecnologia possam colaborar na adaptação dos nossos sistemas alimentares e garantir dietas mais sustentáveis e saudáveis?
Existe uma relação clara e comprovada entre uma alimentação correta e a saúde, associada a uma menor incidência de doenças não transmissíveis. Estas doenças constituem, juntamente com a fome, uma das maiores ameaças à saúde das pessoas neste século.
Há um apelo muito importante para a consecução de um mundo no qual se erradique tanto a fome como a subnutrição. Uma em cada três pessoas no mundo está subnutrida, facto detalhado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) definidos pelas Nações Unidas. Especificamente, o ODS 2 sublinha a necessidade de erradicar a fome e centra-se na nutrição, na segurança alimentar e na agricultura sustentável (Fanzo et al., 2020). Por outro lado, e ligado a este ODS, o ODS 12 explicita os seus objetivos numa produção e consumo responsáveis, pondo o foco na alimentação.
Uma boa alimentação tem uma repercussão direta na nossa saúde, mas também sobre a saúde do planeta. As escolhas que fazemos em termos de consumo de alimentos e a forma como estes são produzidos têm uma influência direta nas alterações climáticas, na utilização e degradação dos recursos naturais e na biodiversidade, para além de terem um grande impacto noutras questões de crucial importância, como as relacionadas com as políticas. Assim, a Organização Mundial de Saúde reúne os conceitos de saúde humana, animal e ambiental num único conceito denominado “One Health”.
A população mundial continua a crescer, prevendo-se que atinja 10 mil milhões de pessoas em 2050, e a procura de comida deverá consequentemente aumentar entre 60 e 98% até esse mesmo ano, em comparação com a produção atual. Juntamente com isto, surgem importantes questões associadas, como por exemplo, o facto de, segundo dados das Nações Unidas, se prever que o número de pessoas com mais de 60 anos atinja os 2 mil milhões no ano 2050 (Centers for Disease Control and Prevention, 2003). Esta situação demográfica representa um desafio muito importante para os países e governos, uma vez que é precisamente esta faixa etária que está associada a determinadas doenças que implicam um impacto significativo na sociedade e nos sistemas de saúde (Gkotzamanis et al., 2022). Por outro lado, o estilo de vida das cidades (urbano) levou a um aumento do consumo de alimentos processados e prontos a consumir.
Uma das iniciativas do Pacto Ecológico Europeu, a denominada estratégia “Do Prado ao Prato”, indica que “as dietas europeias não estão alinhadas com as recomendações nutricionais”. Os nossos atuais sistemas alimentares estão a proporcionar-nos dietas pouco saudáveis e pouco sustentáveis do ponto de vista ambiental. Tudo isto sublinha a necessidade e a urgência de uma tarefa realmente complexa como é a transformação dos sistemas alimentares.
Os sistemas alimentares incluem todos os elementos relacionados com a produção, processamento, distribuição, preparação e consumo de alimentos. A produção de alimentos é o primeiro fator de degradação ambiental que afeta a estabilidade dos ecossistemas. Especificamente, os alimentos contribuem para o efeito sobre o aquecimento global através da forma como são cultivados, como os animais são criados, como são armazenados, processados, embalados e transportados para os diferentes mercados de todo o mundo. A produção agrícola e de alimentos em geral já foram reconhecidas como vetores de degradação ambiental.
Conceitos como agricultura, pecuária e aquicultura sustentáveis estão a tornar-se cada vez mais comuns numa forte tendência para a transformação de cada parte dos sistemas alimentares. Fala-se dos sistemas alimentares circulares que já vão sendo reconhecidos como parte da estratégia para mitigar as alterações climáticas.
Neste trabalho necessário para que os sistemas alimentares se adaptem à mudança, surge a oportunidade de passar da dieta atual para uma dieta saudável e sustentável. Este tipo de dieta caracteriza-se pelo facto de incluir alimentos com uma menor pegada de carbono, pelo que estará fundamentada no consumo de vegetais, legumes, cereais, frutos secos e sementes como alimentos essenciais e alimentos de origem animal produzidos em sistemas resilientes, sustentáveis e com baixas emissões de GEE.
Figura 1. Relações na definição do conceito de “One Health” de acordo com a definição da OMS.
Os números falam por si. Os atuais sistemas alimentares - em que se inclui o cultivo, a criação de animais, a transformação, o embalamento e o transporte - são responsáveis por 37% do total das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) geradas anualmente, e as perdas e o desperdício de alimentos contribuem também com 8 a 10% do total (IPCC, 2022).
A consecução de sistemas alimentares sustentáveis é uma área crítica para promover as dietas saudáveis e, simultaneamente, contribuir para a consecução dos ODS.
A decisão de aderir a um modelo de dieta e a hábitos de consumo que integrem o consumo de produtos essencialmente de origem vegetal, em que se reduza o consumo de produtos de carne processados, o consumo de sal, de açúcar, de gorduras trans e se privilegie um maior consumo de cereais integrais, frutas, frutos secos, vegetais e legumes produzidos através de processos eficientes e minimizem as perdas e o desperdício alimentar em todas as fases de produção e elaboração, implica uma tomada de consciência da importância que o nosso modo de vida tem na sustentabilidade do sistema alimentar.
O conceito de dieta saudável e sustentável, segundo a FAO e a OMS, é aquele que promove todas as dimensões da saúde e do bem-estar, tem um baixo impacte ambiental (FAO, 2019), exerce uma baixa pressão e impacte ambiental, é acessível, alcançável, seguro e equitativo. Por conseguinte, a essência desta dieta é que promova a saúde através da adesão ao seu padrão pela quantidade e qualidade dos alimentos nela incluídos a um preço razoável.
Figura 2. Objetivos para a consecução de um sistema alimentar sustentável definidos pela União Europeia na estratégia “Do Prado ao Prato”.
A forma como nos alimentamos, ou seja, as escolhas da comida que consumimos, contribui de uma forma ou de outra para a nossa saúde, mas também para a saúde do planeta ao deixar uma pegada climática. As dietas sustentáveis são as que têm um impacte ambiental reduzido, o que contribui para assegurar a alimentação e a nutrição e uma vida saudável agora e para as gerações vindouras.
O desenvolvimento de novos alimentos processados e a reformulação dos já existentes permite a diversificação de alimentos e a adaptação a necessidades nutricionais específicas. Para tal, deve centrar-se na obtenção de uma elevada qualidade nutricional e sensorial, mas em conjunto com a garantia de que os produtos são obtidos através de um processamento mínimo e respeitando os preceitos associados à minimização de desperdício.
Trabalhar para promover a mudança dos sistemas alimentares numa perspetiva de promoção e melhoria da saúde através dos alimentos que são produzidos é uma das diversas formas abordagem. A inter-relação e a sincronia entre todas as ações e intervenientes devem estar alinhadas com tudo o resto, uma vez que o sucesso final depende de um grande número de fatores.
Entre as muitas questões que podem surgir está a participação ou a utilização da tecnologia e da inovação como possibilidades. São muitos os fatores a considerar no complexo ecossistema que envolve as nossas escolhas de consumo alimentar, tais como a disponibilidade de alimentos, os fatores socioculturais, o custo dos alimentos, a capacidade de adaptação à mudança e a educação. Todas as aplicações relacionadas com o conhecimento do comportamento do consumidor destinadas a conhecer as escolhas de consumo permitirão moldar a forma de inovar e desenvolver os alimentos. Do mesmo modo, tecnologias como a proteómica ou a metabolómica podem fornecer dados altamente relevantes para concretizar e aperfeiçoar a utilização dos nutrientes nas dietas sustentáveis e saudáveis.
A tendência atual nos países desenvolvidos é para o consumo de alimentos de alta densidade energética e baixo valor nutricional, como os alimentos ultraprocessados e um elevado consumo de proteínas provenientes da carne.
A tecnologia desempenha um papel importante na consecução da melhoria. As aplicações destinadas a melhorar e aumentar a produção de alimentos provenientes do campo através da agricultura de precisão facilitam a otimização da utilização dos recursos e melhoram a produção. Também existe um crescente desenvolvimento de uma nova forma de produção agrícola que é o cultivo vertical de alimentos. Através deste inovador sistema obtêm-se grandes extensões de cultivo cobertas onde a eficiência energética é maximizada para minimizar o impacto sobre o ambiente e consegue-se a independência da variabilidade climática externa. A biotecnologia continua a perfilar-se como uma disciplina necessária para conseguir novas formas de alimentação baseadas, por exemplo, no cultivo de carne a partir de algumas células e com uma pegada hídrica e de carbono mínimas. A biotecnologia fúngica permitirá a obtenção de novos produtos minimamente processados com elevada qualidade proteica, bem como obter novas aplicações na melhoria da qualidade dos produtos.
Tecnologias como a impressão 3D de alimentos também permitem que todos os nutrientes necessários para uma dieta saudável sejam reunidos numa única forma, onde os compostos de outros processos da indústria alimentar podem ser recuperados para aumentar a sustentabilidade necessária.
A par de todas estas formas de criar novos alimentos, e na mesma linha do aumento da sustentabilidade, estão a ser desenvolvidos trabalhos sobre as tecnologias de embalamento e conservação dos alimentos. Os materiais do futuro provenientes de subprodutos agroalimentares e que
A alimentação constitui um ponto central para o bem-estar. No entanto, as doenças relacionadas com a alimentação continuam a aumentar em consequência do tipo de dieta que fazemos, os ecossistemas estão ameaçados e as diferenças sociais determinam o tipo de alimentação que se pode fazer. Isto faz com que os sistemas alimentares se encontrem num ponto de insustentabilidade que é necessário redirecionar.
A transformação dos sistemas alimentares em modelos sustentáveis, circulares, inclusivos e eficientes é um trabalho complexo que exige uma interação perfeita de todos os intervenientes.
O salto na forma como nos alimentamos é absolutamente necessário e está em consonância com a transformação dos sistemas alimentares, cuja adaptação trará benefícios significativos no processo de adaptação e mitigação das alterações climáticas, na preservação dos recursos naturais, na biodiversidade e na circularidade dos sistemas.
A fim de aumentar a adesão a este padrão de dieta saudável e sustentável, será necessária a educação e promoção sobre os benefícios da mesma e transmitir a importância da evidência científica entre a saúde e a adesão ao padrão da dieta. Será igualmente relevante alinhar a rotulagem dos alimentos com a promoção e a adesão a este tipo de dieta. Por um lado, promover as políticas de transparência e clareza da informação fornecida pela indústria alimentar através dos rótulos dos alimentos (e outros meios de informação). Por outro lado, é importante que os consumidores compreendam a história de cada alimento, uma vez que o salto para uma dieta saudável e sustentável não tem apenas a ver com o alimento em si, mas também com a forma como o ambiente é cuidado em relação a cada alimento, como o consumo local e sazonal é apreciado e as implicações para o planeta, o estilo de vida e outros fatores. Lembre-se que o objetivo final é conseguir sistemas alimentares justos, saudáveis e sustentáveis que forneçam alimentos seguros, nutritivos e de qualidade com um impacto mínimo no ambiente.
Referências:
ialimentar.pt
iAlimentar - Informação profissional para a indústria alimentar portuguesa