Silvia Moreira, Especialista em Valorização de Subprodutos do Food4Sustainability CoLAB
Ana Oliveira, Senior Regulatory Manager, Arcadia International
09/11/2023O montado é um sistema agro-silvopastoril que cobre cerca de 3 milhões de hectares na Península Ibérica. Apesar do registo histórico do consumo de bolota em todo o mundo, e no caso português com registos contemporâneos de consumo tradicional em algumas regiões, apenas a bolota de azinheira (Quercus rotundifolia) se encontra listada como produto tradicional pela Direção Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural (DGADR).
Há décadas que em Portugal a bolota é usada principalmente como alimentação animal, sendo o seu uso comercial maioritário (mais de 83 mil toneladas do total médio de 400 mil toneladas produzidas anualmente) para engorda de espécies pecuárias. No entanto, a bolota apresenta um enorme potencial de integração na Dieta Mediterrânica uma vez que as principais tendências de mercado têm alavancado a procura por novas soluções para aumentar a quota de mercado associada ao consumo de produtos agroalimentares portugueses, em particular à utilização de matérias-primas pouco exploradas na alimentação humana, promovendo a economia circular.
Dados disponibilizados pela Universidade Católica Portuguesa em 2015 indicam que a fileira da bolota em Portugal tinha um valor aproximado de 6,3 M€ onde a exploração e alimentação de suínos tinha o peso mais significativo. A falta de dados recentes relativamente à produção de bolota, assim como do seu processamento e utilização, enfatiza a necessidade da realização de um levantamento exaustivo de produtores, transformadores e possíveis produtos a desenvolver à base de bolota.
A bolota é um alimento rico em termos nutricionais, contendo elevado teor em hidratos de carbono (cerca de 86%), proteína (até 10%), ácidos gordos não saturados, vitaminas (sobretudo A e E), sendo apta para celíacos (não contém glúten). Devido à sua composição em compostos fenólicos (taninos e flavonóides), a bolota é ainda estudada devido ao seu potencial antioxidante, anticarcinogénico e antienvelhecimento. Devido a estas características nutricionais, a farinha de bolota é um interessante substituto da farinha de trigo na formulação de diversos produtos, como o pão, dando origem a produtos inovadores de origem nacional através da valorização direta da parte comestível (miolo) e indireta dos seus subprodutos (casca).
Apesar da Comissão Europeia reconhecer a bolota de azinheira como um ingrediente seguro para alimentação humana, ainda é difícil alavancar os requisitos-chave para melhorar a adesão dos empresários agrícolas, dos municípios e da disponibilização de terras para esta cultura, assim como da perceção da população em geral em relação à bolota, que acaba por ser largamente desperdiçada, sendo menos de 1% usada para processamento e produção de farinha para fins comerciais. Atualmente, o uso de bolota enquanto matéria-prima está dependente de vários fatores: produção suscetível a sazonalidade e safras; abate de floresta autóctone (essencialmente de carvalhos e azinheiras) e substituição por espécies invasoras comprometendo a paisagem nativa e a presença de espécies endémicas; fragmentação dos atores pertencentes à cadeia de valor da bolota; falta de informação para o tecido económico e empresarial poder investir mais no setor; inexistência de circuitos curtos de comercialização e redes de apoio; e a falta de ordenamento florestal e de métodos de apanha eficazes que permitam reduzir o custo da matéria prima.
De acordo com as lacunas do sector existem claras oportunidades de mapear a distribuição de bosques produtores de bolota, bem como os atores da cadeia de valor e desenvolver uma rede de contactos, de forma a conectá-los. Ao otimizar o processamento da bolota em ingredientes alimentares a escalas industrialmente relevantes, será também possível desenvolver novos alimentos inovadores que incorporem ingredientes derivados da bolota e que sejam aceites pelo consumidor, e assim promover os alimentos à base de bolota enquanto alimentos sustentáveis e saudáveis nos mercados nacional e internacional. Além disso, poderá garantir a sustentabilidade ambiental, económica e social da cadeia de valor, e uniformizar o conhecimento entre os diferentes atores, sobretudo universidades, centros de conhecimento e empresas.
O projeto OakFood pretende o desenvolvimento de uma estratégia integrada para a viabilidade da bolota enquanto matéria-prima para o desenvolvimento de produtos de valor acrescentado, enquanto alternativas sustentáveis e de cadeia de curta, para a indústria alimentar. O consórcio, liderado pelo Food4Sustainability CoLAB, conta com a participação de 7 PMEs (Landratech, Arcadia International, Equanto, Pepe Aromas, Javalimágico e AgroGrIN Tech e Purenut), e ainda com a Universidade Católica Portuguesa do Porto, a Direção Regional de Agricultura e Pescas do Centro (DRAPC) em representação do Pólo de Inovação de Viseu, a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e o Centro Nacional de Competências dos Frutos Secos (CNCFS).
Os principais objetivos do projeto OakFood, que iniciou a 01 de setembro de 2023 e terá uma duração de 2 anos, são o desenvolvimento de uma rede de produtores de bolota de sobreiro, carvalho e azinheira a nível nacional, o estudo e otimização do processamento da bolota, incluindo a análise da sua escalabilidade para desbloquear a capacidade de abastecimento contínuo, e a criação e teste de novos alimentos inovadores. Será criada uma estratégia de marketing e comunicação, focada em mercados emergentes nacionais e internacionais, sustentada por uma avaliação do impacto social, económico e da pegada de carbono da cadeia de valor em construção.
Este é um projeto de investigação e inovação financiado no âmbito do Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) - Investimento RE-C05-i03 – Agenda de investigação e inovação para a sustentabilidade da agricultura, alimentação e agroindústria, Aviso n.º 15/C05-i03/2021 Projetos I&D+i – Promoção dos produtos agroalimentares portugueses, suportada pelo orçamento do Plano de Recuperação e Resiliência Português e pelos Fundos Europeus NextGenerationEU.
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