44 DOSSIER ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS: IMPACTOS E RESPOSTAS Vítor Alves, professor associado com agregação do Instituto Superior de Agronomia (ISA). São alguns os progressos, mas o setor agroindustrial continua a enfrentar obstáculos relevantes, como “alguma falta de literacia climática e a resistência à mudança em segmentos mais tradicionais, que continuam a dificultar a transição para modelos mais resilientes", defende Vítor Alves, professor do ISA timentos em automação, digitalização e transição energética.” Estes apoios permitem “a modernização dos processos de fabrico, a adoção de tecnologias para uso mais eficiente da água e da energia e a melhoria dos processos de refrigeração e conservação”, avança o também investigador do Centro de Investigação LEAF e do Laboratório Associado TERRA. O investimento em novos equipamentos e na digitalização é benéfico, mas existem “estratégias mais simples que podem ser implementadas sem exigir um investimento financeiro imediato elevado”. Vítor Alves explica: “É possível trabalhar no fortalecimento e flexibilização da cadeia de abastecimento, aumentando a interação contínua com produtores primários de diferentes regiões, para reduzir o risco de escassez localizada; e apostar na produção própria ou estabelecer parcerias estratégicas com controlo direto sobre a matéria-prima (como no caso das cooperativas)”. Portugal encontra-se entre os países europeus mais atingidos por situações extremas de clima, especialmente ondas de calor e largos períodos sem precipitação significativa, originando períodos de seca e incêndios florestais recorrentes, alerta o professor. Essas condições afetam, desde logo, a produção primária e originam reduções de rendimento. “Por outro lado, têm apressado a adoção de estratégias de resiliência, tais como a implementação de tecnologias avançadas de irrigação e de monitorização hídrica, de culturas adaptadas e de seguros indexados ao clima”. A pressão exercida sobre a produção primária traduz-se em impactos diretos nas “indústrias de transformação alimentar e distribuição, nomeadamente através da volatilidade dos preços e da redução na disponibilidade de matérias-primas estratégicas”. A opinião de Vítor Alves é partilhada por Patrícia Coelho, presidente da InovCluster – Associação do Cluster Agro-industrial do Centro. “Portugal tem uma localização de excelência; no entanto, pelas suas características geográficas e climáticas, acaba por estar num patamar de vulnerabilidade”, afirma. A escassez hídrica e o aumento das temperaturas a limites cada vez mais extremos têm afetado “culturas estratégicas, reduzido mesmo rendimentos agrícolas, por um lado, e, por outro, aumentado os custos de produção”. Ondas de calor, secas prolongadas e escassez hídrica “já não são eventos esporádicos, mas sim desafios estruturais que impactam diretamente o setor agroalimentar — que é um dos pilares da economia nacional e o foco estratégico da InovCluster”. Comparativamente a países do centro e norte da Europa, “Portugal enfrenta um risco climático mais elevado, sobretudo em termos de desertificação, perda de produtividade agrícola e pressão sobre os recursos hídricos”. Isso obriga o setor a adaptar-se rapidamente, não só com medidas de mitigação, mas, sobretudo, com soluções de inovação tecnológica e colaborativa. É por isso que a equipa da InovCluster tem sentido no terreno e, junto dos associados e parceiros, os impactos crescentes destes fenómenos, nomeadamente nas dificuldades de produção, na escassez de matérias-primas e no aumento dos custos operacionais. “No entanto, também vemos nestes desafios uma oportunidade para acelerar a transição para uma agricultura mais resiliente, eficiente e sustentável, e é nesta temática que temos tentado posicionar-nos.” A InovCluster apoia empresas e produtores na adoção de práticas agrícolas regenerativas, uso inteligente da água, digitalização e aproveitamento de dados climáticos, além de promover projetos colaborativos que visam o desenvolvimento de soluções adaptadas às realidades locais. “Acreditamos que só através da inovação, da cooperação e de uma visão estratégica de longo prazo conseguiremos transformar este contexto adverso em vantagem competitiva para o setor agroalimentar português.”
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