Conservação de alimentos | Artigo exclusivo iALIMENTAR
Álvaro T. Lemos, Ana C. Ribeiro, Ana P. Martins, Bruna Gomes, Carlos A. Pinto, Gabriela M. Matos, Jéssica Tavares, Renata A. Amaral, Ricardo V. Duarte, Vasco J. Lima, Jorge A. Saraiva
LAQV-REQUIMTE, Departamento de Química, Universidade de Aveiro, Campus Universitário de Santiago, 3810-193 Aveiro, Portugal
15/06/2021A tecnologia de alta pressão (AP, do inglês, High Pressure Processing ou HPP) é cada vez mais usada para pasteurização não-térmica, sem aplicação de calor à temperatura ambiente (pasteurização atérmica) ou a temperaturas de refrigeração (pasteurização a frio). Esta tecnologia permite obter produtos alimentares mais seguros microbiologicamente, com prazos de validade comercial alargados e com melhores caraterísticas nutricionais e sensoriais comparativamente à pasteurização térmica.
As principais vantagens desta tecnologia são:
Figura 1. Evolução do número de equipamentos de AP a operar na indústria e a sua distribuição pelos setores alimentares. Cortesia da empresa Hiperbaric S.A (Burgos, Espanha).
Atualmente, no mercado, existe uma grande variedade de produtos pasteurizados por AP, destacando-se os sumos, molhos, produtos cárneos, refeições prontas a consumir, laticínios, alimentos para animais de estimação premium, entre outros.
Os sumos pasteurizados por AP são caraterizados pela sua frescura e manutenção de vitaminas e antioxidantes (entre outros constituintes), permitindo a combinação de sumos de frutas e vegetais, que quando processados pelas tecnologias térmicas convencionais resultariam no seu 'cozimento'. O mesmo ocorre para produtos como saladas, frutos, molhos (guacamole e húmus) que também já se encontram no mercado.
A utilização de AP em produtos cárneos constitui uma alternativa ao uso de conservantes, garantindo a segurança dos produtos e tempo de vida útil alargado (90 a 100 dias para fiambre fatiado, por exemplo). Um exemplo icónico é o presunto, que sendo um produto cru, ao ser pasteurizado por AP garante a inativação de microrganismos de patogénicos (mantendo as caraterísticas do presunto), permitindo a sua exportação para mercados que exigem a ausência de patogénicos. Uma situação semelhante ocorre para queijos produzidos a partir de leite cru, em que a AP permite a pasteurização destes queijos, sem alterar as suas características, garantindo a segurança microbiológica e possibilitando a exportação.
Umas das aplicações da AP com maior potencial de crescimento é a alimentação para crianças como os purés de fruta, que são alternativas saudáveis, nutritivas, agradáveis e convenientes, permitindo explorar este nicho de mercado ao nível de alimentação infantil premium.
A tecnologia de AP tem vindo a ser estudada para aplicação noutras áreas, tais como na farmacêutica (melhoramento de vacinas e anticorpos), cosmética (pasteurização a frio) e biomedicina (criopreservação e desinfeção de biomateriais).
O Departamento de Química (DQ) da Universidade de Aveiro (UA) foi pioneiro em Portugal na investigação e desenvolvimento industrial de AP, possuindo um portfólio único a nível internacional de equipamentos de AP com elevada polivalência e abrangência em termos funcionais, desde a escala laboratorial (Figura 2a) e piloto (Figura 2b) até à escala industrial (Figura 2c), que permitem realizar estudos em todas as áreas de aplicação acima descritas.
Figura 2: Equipamentos de Alta Pressão: a) Escala laboratorial, b) Escala piloto e c) Escala industrial.
Diversos projetos nacionais e internacionais têm sido desenvolvidos em parceria com a UA, encontrando-se a decorrer:
PATS: uma alternativa promissora para a esterilização térmica atual
A AP pode ser combinada com temperaturas elevadas, resultando num novo processo de esterilização, designado por Esterilização Térmica Assistida por Alta Pressão (Pressure Assisted Thermal Sterilization, PATS). Esta tecnologia permite obter produtos esterilizados com qualidade superior aos esterilizados comerciais atuais (os enlatados por exemplo), tendo sido já aprovada pela Food and Drug Administration (FDA).
A conservação de muitos alimentos baseia-se na refrigeração para retardar o crescimento de microrganismos, sendo esta energeticamente dispendiosa e com uma pegada ecológica considerável.
O armazenamento hiperbárico (AH) de alimentos é caraterizado pelo uso de pressões moderadas (500-1000 atm) para retardar o crescimento microbiológico, permitindo obter prazos de validade bastante superiores à refrigeração. O AH pode ser realizado à temperatura ambiente (sem necessidade de refrigeração), sendo assim um processo de conservação de alimentos quase sem gastos energéticos.
Estudos efetuados pelo nosso grupo, apontam para um tempo de vida útil de sumo de melancia à temperatura ambiente até, pelo menos, um ano, (em refrigeração, este sumo possui poucos dias de vida útil) e de salmão até pelo menos 25 dias em AH. Esta metodologia inovadora de conservação de alimentos tem um potencial disruptivo para o futuro da conservação de alimentos, sendo o nosso grupo na UA o mais ativo a nível internacional nesta área da investigação.
As novas tecnologias têm suscitado cada vez mais interesse nos produtores de vinho, principalmente as que possam permitir evitar ou reduzir o uso de dióxido de enxofre (SO2 ou sulfuroso como comumente designado) na produção de vinho, devido à intolerância de certos consumidores ao SO2.
No final de 2019, a Organização Internacional do Vinho (OIV), aprovou o uso de AP, quer para reduzir o teor de sulfuroso na produção de vinhos, quer com o intuito de acelerar a maceração durante a produção de vinho tinto. Espera-se que brevemente possam chegar ao mercado premium, vinhos com menor teor de sulfuroso e com melhores/novas caraterísticas de qualidade com recurso à AP, abrindo novas possibilidades de comercialização. Na UA, temos a possibilidade de usar a AP para processar lotes com volume suficiente para produção de vinho para comercialização.
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